Ma Rainey: A Mãe do Blues (2020)

 


Num estúdio de gravação várias são as tensões entre Ma Rainey, um dos seus músicos e o produtor do estúdio que tenta controlar a incontrolável “Mãe do Blues”.

 

Ma Rainey: A Mãe do Blues é um filme com realização de George C.Wolfe e produção do ator Denzel Washington. O filme é dos estúdios da Escape Artists e do Mundy Lane Entertainment e encontra-se disponível, em exclusivo, na Netflix. Conta com a atuação de vários artistas de renome, entre os quais Viola Davies (como Ma Rainey) e Chadwick Boseman (como Levee), ambos nomeados aos Oscars 2021 pelas suas prestações.

            Inspirado na peça de August Wilson, com o mesmo nome, este filme é inspirado em personagens reais, como é o caso de Ma Rainey. Numa pequena explicação sobre esta artista, ela foi das primeiras artistas negras a gravar um álbum em estúdio e era nos anos 20 uma das vozes mais famosas no sul dos Estados Unidos da América. Ficou para sempre conhecida como “A Mãe do Blues” e a sua excentricidade e a sua potente voz marcaram este género musical.


Inspirado na peça de August Wilson, com o mesmo nome, este filme é inspirado em personagens reais, como é o caso de Ma Rainey."


           
Mas voltando ao filme, Ma Rainey: A Mãe do Blues é um filme consideravelmente curto, tendo pouco mais de uma hora e meia, e com muito poucos cenários, algo digno de uma adaptação de peça de teatro. No entanto isso não o impossibilita de expor vários temas, desenvolver a sua história e as suas personagens de uma maneira eximia. É claro que existem situações em que a transição merecia ser mais lenta para percebermos melhor as ações tomados pelas personagens, mas fora isso é tudo muito bem conseguido.

            As cores do filme dão uma sensação de calor, criando uma ligação com o estúdio e a sala quente, e também a atuação dos vários atores ajuda a isso, com os suores e as constantes reclamações.

            A meu ver, o que de melhor está conseguido são a abordagem aos diferentes temas e as grandes atuações com o desenvolvimento das personagens (ponto em que irei focar mais em seguida). O filme aborda temas importantíssimos e de uma maneira tão exposta que nos obriga a vê-los, temas como o racismo, a ambição, a superação e até mesmo a sexualidade. Estes temas muitas vezes são nos trazidos através de monólogos longos, mas nunca de uma forma cansativa, devido ao movimento constante da realização. Todos os assuntos são trazidos através das personagens e as histórias de vida, muitos deles ao longo de contrastes entre os mesmos e uma exposição de ideais que levam a discussão.


"O filme aborda temas importantíssimos e de uma maneira tão exposta que nos obriga a vê-los, temas como o racismo, a ambição, a superação e até mesmo a sexualidade."


           
Os desenvolvimentos das personagens levam a que os temas sejam debatidos e ao não haver um uso de vários cenários, a realização foi obrigada a que os atores dessem tudo de si para que as suas personagens fossem desenvolvidas através de fortes diálogos e monólogos.

            Leeve é um trompetista jovem que vê na vida algo mais do que se contentar com o básico e satisfatório. É nele que encontramos o primeiro grande monólogo e após a conversa sobre a sua ambição e desejo de ter um projeto a solo com as suas músicas, algo que acontece por um diálogo com os outros músicos, que ao serem mais  velhos já se conformaram com a ideia de não sonhar mais alto ou de serem considerados inferiores, devido a todo o sofrimento por que passaram na vida à custa de atos racistas. Esse contraste de ideias e formas de ver a vida acontece de uma maneira muito suave através da interação de Leeve, como o jovem ambicioso, com Cutler (interpretado por Colman Domingo), Toledo (interpretado por Glynn Turmann) e Slow Drag (interpretado por Michael Potts). Estes últimos três, como mais experientes e com uma vida que muitas vezes não lhes foi simpática, fazendo com que se contentem com a passividade da vida e com os pequenos prazeres, como por exemplo poder tocar para a Ma Rainey. Mas se Leeve é acusado de nunca ter passado por problemas na vida e de apenas mostrar um lado alegre e risonho, Chadwick apresenta um dos melhores monólogos do filme mostrando os problemas da personagem e criando um momento emocionalmente forte.


Leeve é um trompetista jovem que vê na vida algo mais do que se contentar com o básico e satisfatório."


           
Já Ma Rainey não podia ser interpretada por melhor atriz que Viola Davies. A entrega ao papel é enorme e a mudança de aspeto para ficar o mais parecida com o original foi feita de forma eximia dando um ar de poder e fisicalidade intensa. Ma Rainey é mostrada como uma mulher forte e poderosa, sem medo de enfrentar quem lhe tenta enganar e ultrapassar. É decidida no que quer e ninguém é capaz de a demover, prova disso é quando esta quer que Sylvester faça a abertura da música, apesar de este não ser o mais indicado para tal. Outro ponto em que vemos a poderosa personalidade de Ma Rainey é quando esta enfrenta o diretor do estúdio e ameaça sair sem o álbum, o que leva ao desespero do agente musical. Mas também ela tem as suas fraquezas, e se vemos uma personagem rígida e segura de si, quase ao nível de sentirmos um sentimento de animosidade por esta, também quando somos confrontados com o seu monólogo percebemos o porquê de ser assim e conseguir ter a força de superar todos. Durante esse monólogo existe uma forte crítica à sociedade racista e à indústria musical e vemos as fragilidades por detrás da figura poderosa de Ma Rainey, ganhando um novo respeito e por tudo o que alcançou e ultrapassou.


"Ma Rainey é mostrada como uma mulher forte e poderosa, sem medo de enfrentar quem lhe tenta enganar e ultrapassar."


           
O final é surpreso e deixa o espetador surpreendido pelo que aconteceu, pois não era algo expectável e até podemos dizer que a decisão de o terminar assim poderia receber mais explicação e desenvolvimento, pois é uma decisão demasiado rápida, mas que tem os seus motivos.

            Ma Rainey: A Mãe do Blues é um filme merecedor de todos os elogios. São entregues prestações incríveis pelos atores e em especial Chadwick Boseman, que arrisco dizer ser das suas melhores ou melhor mesmo. É um filme emocionante e com uma critica social muito presente e cheio de monólogos intensos e tocantes.

 

“Quanto mais música houver no mundo, mais cheio está”

João Maravilha

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