O Pai (2020)- The Father
Um pai que sofre de demência e uma filha que o tenta
ajudar com tudo o que tem, quando este se recusa a ser auxiliado e a se
conformar com o seu problema, criando várias situações de dúvidas e confusão.
O Pai (The Father) é sem sombra de dúvidas um
dos filmes mais bem conseguidos do ano de 2020, sendo capaz de transitar de uma
peça de teatro com toda a excelência e criando uma história tão boa emotiva com
apenas dois ou três espaços. Para tal muito ajudou que o autor da peça original
fosse também o realizador do filme e assim conseguiu transmitir toda a essência
da obra. Florian Zeller conseguiu fazer algo que muito poucos conseguem, e logo
na sua estreia como realizador, transitar um filme dos palcos de teatro para o
cinema com excelência.
Não são necessárias centenas de cenários para que um filme
se torne interessante ou pouco monótono e O Pai é a prova disso mesmo,
que com pouco que se consegue fazer muito. É verdade que também tiveram atores
experientes que facilitaram o trabalho, mas deixemos essa parte para mais tarde,
pois isso merece ser discutido com toda a atenção. Foram apenas necessários cenários
para uma sala, uma cozinha, um quarto, um hall de entrada e uma vista para o
exterior (penso não me esquecer de nenhum), e com isto criou-se uma história lindíssima
com que muita gente se identifica e consegue ver semelhanças com algum momento
da sua vida. Nesta questão dos cenários curtos,
lembrou-me automaticamente do filme O Deus da Carnificina (Carnage
em título original), do realizador Roman Polansky. Também neste filme tudo se
passa num apartamento, com apenas quatro atores experientes e conseguem misturar
várias emoções. Zeller em O Pai consegue replicar esta cópia do teatro
onde tudo tem de ser mais diminuto e sem que exista a necessidade de alteração
de cenários, mas sem que a essência se perca e a história seja bem contada.
Se fiz a comparação com Carnage, que foi realizado
por um experiente realizador como Polansky, agora também tenho de dizer que O
Pai está muito melhor e que consegue trazer novas sensações ao espetador,
mesmo com um realizador inexperiente no cinema.
O que é feito para trazer a sensação de demência e de dúvida
é espetacular e ao mesmo tempo assustadora por nos mostrar uma realidade bastante
comum e que consegue alterar uma pessoa e o que esta pensa. O loop
constante em que mudam os dias e as personagens, mas em que ficam sempre
elementos iguais ou referências a esses, como o caso do relógio, a camisola
azul, o frango, as oito horas da noite, os maridos e Paris. Todas estas referências
e a introdução das mesmas sem que nenhuma personagem as considere estranhas ou
corrija cria também no espetador uma sensação de estranheza e desconfiança, sem
que se saiba distinguir a realidade da imaginação, parecendo que a linha cronológica
está alterada e misturada não existindo depois qualquer ligação entre os seus
elementos. E é nesta desconfiança que o filme realmente me agarrou e mostrou ao
que vinha, obrigando-me a estar atento a cada detalhe e a cada diálogo com uma
expetativa de vir a sofrer uma mudança repentina que traria toda uma solução ao
puzzle mental que estava a ser criado.
É então que depois de todas as peças serem colocadas na mesa
e de todo o meu cérebro estar pronto a resolver a equação que surgem as
respostas. Não foram necessárias as explicações científicas dos filmes do
Nolan, ou os surrealismos de Lynch para que ficasse com dúvidas e agarrado a
todos os acontecimentos, foi apenas preciso entrar na dura realidade de uma
pessoa que sofre de demência e que não consegue separar os pensamentos da
realidade. Para tal muito ajudou a atuação de todos os atores, com especial
atenção para Anthony Hopkins.
Que Hopkins era um dos melhores atores de cinema de sempre já
se sabia e em O Pai volta a mostrar o porquê de ser um ator cotado e com
tantos elogios. Zeller ao receber o prémio de Melhor Argumento Adaptado,
na gala dos Óscares de 2021, afirmou que o seu desejo sempre foi que o ator
inglês desempenhasse o papel, e esse desejo não podia ser melhor, pois após ver
o filme é muito difícil imaginar outro ator a desempenhar aquele papel com tal excelência.
Anthony (personagem de Anthony Hopkins) varia entre a alegria e a tristeza, ou
a comédia e a revolta, tornando tudo muito instável e não sabendo o que esperar,
e para complicar tudo isso ainda possui uma desconfiança por tudo e todos
devido ao seu esquecimento, criando um clima de suspeita e ao mesmo tempo de
confusão ao descobrir que afinal ninguém havia levado o relógio.
Uma palavra para Olivia Colman enquanto Anne também, que
esteve muitíssimo bem. Soube transmitir o sentimento de dificuldade enquanto
Cuidadora Informal do pai. O sentimento de recusa quando é oferecida ajuda, o
de confronto quando o seu pai a critica, desconfia desta e ainda lhe diz ser
inferior à outra filha. Mas o pior sentimento de todos para mim e o que mais me
assustou foi o de ter perdido tudo quando Anthony não se lembra dela.
É algo que aterroriza qualquer um e que pode ser considerado como um linear de demência, que nos retira do coração e da memória das pessoas. Ser esquecido por aqueles que nos amam é talvez das piores sensações alguma vez vividas, é sentir que tudo o que tínhamos caiu e agora nem a nossa imagem temos. A memória dos passados felizes e tristes que são abandonados por uma doença degenerativa e que devagar vai consumindo a vida daqueles que amamos pode ser assustadora, e tanto Hopkins como Olivia Colman conseguem transmitir com a mais magnânima perfeição, chamando à atenção para um problema que afeta milhares de pessoas e que pode surgir de um momento para o outro.
Todo o filme é acompanhado por tons de música clássica,
ajudando ainda mais a que o drama seja tenso e complexo, mas no meio de uma
mistura de imagens e problemas, a sua existência no filme pode ser deixada
passar sem que se note.
O Pai, assim como Sound of Metal foi mais um
filme nos Óscares a sensibilizar para causas e doenças que afetam muitas
pessoas no mundo, ambas possuindo um toque de sensibilidade único e não se
tornando cansativas. O filme estava nomeado para 6 Óscares, tendo
arrecadado duas vitórias, para Melhor Argumento Adaptado, e para Melhor
Ator, com Anthony Hopkins.
O Pai é um filme que pode tornar-se complicado de ver
para alguns, devido à sua emoção e transparência na forma de mostrar os grandes
sinais de demência, pois não esconde as dificuldades, e pode muitas vezes ser
comparado com memórias e vidas de muitos espetadores que passam, ou passaram,
pelo mesmo, Ainda assim aconselho a que quem puder e consiga que o veja, pois é
uma obra incrível e que tecnicamente é criando de forma exemplar e a nível de
entretenimento é espetacular, fazendo com que estejamos sempre interessados e
curiosos com o seu desenrolar.
“I feel as if I'm losing all my leaves. The branches, and
the wind, and the rain. I don't know what's happening anymore.”
João Maravilha
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