Sound of Metal (2019)

 



            Ruben Stone é um baterista de Heavy Metal que começa a ter problemas de audição e que tem de aprender a viver com o silêncio que advém da surdez.

 

            Sound of Metal é uma produção da empresa Caviar e realizado por Darius Marder e conta com as excelentes performances de Riz Ahmed, Olivia Cooke e Paul Raci. Riz Ahmed já havia participado em Nightcrawler e em Venom, neste último enquanto vilão, mas é em Sound of Metal que ele assume um papel de protagonista e onde consegue mostrar o seu talento. Já Olivia Cooke tem no currículo a sua atuação em Ready Player One.


"Riz Ahmed já havia participado em Nightcrawler (...) mas é em Sound of Metal que ele assume um papel de protagonista e onde consegue mostrar o seu talento."


           
Esta produção demorou mais de uma década a ser terminada, mas podemos dizer que valeu a pena a espera. Sound of Metal consegue produzir uma obra lindíssima através do silêncio e serve de exemplo para mostrar que este também é importante e deve ser valorizado num filme, não sendo necessário barulho constante e cheio de efeitos sonoros para agarrar o espectador e o cativar.

            Apesar de Sound of Metal criar uma imagem de um filme sobre o género Heavy Metal, a obra não é centrada neste, e a música apenas está inserida no primeiro ato, demorando pouco tempo a desaparecer. Mas isso não é mau de todo, pois é aí que está o que distingue este filme: não se centra na música e sabe afastar-se dela, de forma a introduzir a surdez e demonstrar a falta que o som nos faz.


"Apesar de Sound of Metal criar uma imagem de um filme sobre o género Heavy Metal, a obra não é centrada neste (…)"


           
A cinematografia da produção é muito semelhante à utilizada em documentários, com planos mais próximos e muitas vezes sem estabilidade, e até podemos dizer que não é a mais exuberante ou incrível que já vimos, mas a realização não mostra querer dar toda a atenção a esse aspeto. Por outro lado, toda a produção sonora merece uma grande valorização, pois o trabalho de som do filme é espetacular e transforma toda a obra cinematográfica numa viagem imersiva da surdez e de uma vida alienada de som. A forma como o silêncio e os sons metálicos da surdez são colocados cuidadosamente para que o espectador tenha uma imersividade que o coloca num estado angustiante e sofredor, tendo constantes zumbidos nos ouvidos e com uma experiência, penso eu, semelhante a alguém que é obrigado a enfrentar a surdez todos os dias.

O filme apresenta em várias ocasiões uma alteração entre os instantes falados e ouvidos e os momentos de surdez, levando a que essa imersão seja feita de uma maneira a tentar compreender o lado daqueles que não conseguem ouvir. Esse momento está presente em cenas como as refeições entre a comunidade surda onde Ruben foi inserido. Durante esse momento, a variação entre a surdez e o barulho é um contraste e um choque de som, pois vemos as pessoas sentadas à mesa a comunicarem através de gestos e de batidas na mesa, mas quando o som é introduzido, somos levados por uma onda sonora gigante, em que todas essas batidas ganham ruído e tornam aquele momento algo estranho para nós que ouvimos e que não temos a noção do que é ser-se surdo e não podermos ouvir o mais comum barulho do dia a dia.


"Durante esse momento, a variação entre a surdez e o barulho é um contraste e um choque de som (…)"


            Outro desses momentos é a cena inicial do filme, onde a realização e a equipa de som demonstram pela primeira vez o que estão dispostos a fazer e a entregar. O filme começa com Ruben e Lou a tocar e cantar como uma banda de Heavy Metal, onde o som é elevado e os ritmos são acelerados, trazendo emoção e energia ao filme, criando um estado de êxtase que é terminado com a calma do acordar e da rotina do baterista na manhã seguinte, a preparar o café, a fazer exercício e até a acordar a sua companheira. Durante toda esta rotina é dado ênfase todos os sons, sendo aumentados e ouvidos com especial cuidado. Até mesmo o barulho das várias gotas que vão caindo na cafeteira ganha destaque, criando um momento de calma e serenidade. Esse momento sonoro é imediatamente terminado de forma a que quem está a ver se sinta na pele do protagonista, que de um momento para o outro se vê surdo e incapaz de apreciar os mais simples sons. Até mesmo o som da batedeira, que pode ser incomodativo numa altura, é visto posteriormente como algo em falta e mostra que para uma pessoa com audição é algo barulhento, mas para alguém que já não tem essa capacidade é um som de saudade.


"Durante toda esta rotina é dado ênfase todos os sons, sendo aumentados e ouvidos com especial cuidado."


            Também através de Ruben assistimos a um sentimento de desconfiança em relação a todos por não conseguir ouvir o que os outros dizem e não dominar a leitura dos lábios, levando-o a achar que todos estão a falar mal dele. Ruben é um protagonista que nos traz uma forma de ver a vida de uma maneira diferente, valorizando o que temos e ainda tocando em assuntos como o vício e as drogas, pois Ruben, em tempos, foi viciado em estupefacientes e conseguiu ultrapassar. Esta referência às drogas é inserida de tempos em tempos, mas cada vez com uma mensagem mais forte, passando da cena no café, onde Lou liga para o manager deles a dizer que Ruben está a fumar e refere o seu antigo vício, até ao momento em que este é confrontado dentro da comunidade surda, com uma quase comparação entre o vício das drogas e o vício de ouvir, fazendo com que este aceite a surdez e não considere uma deficiência ou problema. Mesmo quando Ruben conhece a existência dos implantes auditivos que o farão voltar a ouvir, este fica com essa ideia na cabeça, acabando depois por vender as suas coisas e vendo essa como a solução, comparando-a a um vício que Ruben ficou agarrado.


"Ruben é um protagonista que nos traz uma forma de ver a vida de uma maneira diferente, valorizando o que temos e ainda tocando em assuntos como o vício e as drogas (…)"


            Já Lou, a namorada de Ruben que se vê obrigada a separar deste para que ele se consiga inserir na comunidade surda, é uma imagem de amor e de impotência. Amor devido a ser uma personagem que traz um fator romântico e de apoio, sendo que, depois do afastamento dos dois e do reencontro mais tarde, ficamos na dúvida se é a mesma pessoa e se o continua a amar, querendo que estes dois fiquem juntos e com a mesma relação, apesar de ela estar diferente. Mas Lou, a meu ver, é uma personagem que traz um sentimento de impotência gigante, e esse é o seu maior papel. Lou foi a primeira pessoa a estar disposta a ajudar Ruben quando este vê confrontado com a surdez, e rapidamente se mostrou pronta a ajudar, sendo capaz de largar tudo o que tinha em prol dele, algo que nem mesmo protagonista queria. No entanto, o querer e o fazer são duas coisas diferentes, e Lou, apesar de só o querer auxiliar e apoiar, não possuía os meios nem os conhecimentos para tal, mostrando em várias ocasiões sinais de que se sentia impotente e muitas vezes ainda não habituada ao novo estado de Ruben.


"Já Lou (…) é uma imagem de amor e de impotência."

            O terceiro ato de Sound of Metal é um ato extremamente emocional e com uma mensagem fortíssima. Após vermos Ruben a adaptar-se à sua “nova” vida e a parecer que está finalmente a esquecer a questão dos implantes, este sente saudades de Lou e decide fazer a operação, achando que esta vai solucionar o problema. É nesta fase que recebemos grandes mensagens de aceitação e, ao mesmo tempo, grandes dilemas.

            Ruben, ao colocar o implante que lhe permite ouvir, despoleta grandes questões que fazem o filme ter uma mensagem tão forte e emocional, capaz de fazer o espectador pensar no que faria na sua situação. Os implantes permitem com que o protagonista consiga voltar a ouvir o mais comum dos sons e as vozes das pessoas, mas, ao mesmo tempo, essa dadiva tem, também, uma contrapartida: todos os barulhos são aumentados, criando assim insatisfação e um sentimento de desconforto. Com esta situação, ficamos na dúvida se essa é uma solução para ele ou um problema, pois o que ele pensava vir para ajudar, veio complicar. O final em que Ruben retira os implantes e descansa com o silêncio é uma imagem lindíssima, trazendo paz e, ao mesmo tempo, uma aceitação da sua condição.


 "Ruben, ao colocar o implante que lhe permite ouvir, despoleta grandes questões que fazem o filme ter uma mensagem tão forte e emocional (…)" 


            A situação de Ruben faz o espectador questionar que opção escolheria se tivesse essa hipótese: se aceitava a surdez e aprendia a viver com esta, ou se fazia a operação e viveria com todos os barulhos adjacentes aumentados. Mas a grande mensagem do filme é a de aceitação de quem somos, não sendo necessário mudarmos para conviver e socializar. Ruben encontrou na comunidade surda um meio que o recebeu e ajudou, mas este foi livre de sair e querer conviver com gente que possuía ainda audição, não tendo de se fechar e viver apenas com pessoas como ele. Cada um é diferente, e não é por ser surdo que se tem de afastar da sociedade. A aceitação tem de começar de nós próprios, e é isso que Ruben consegue na comunidade, perceber que ele não tem nenhum problema e que a surdez dele não o impossibilita de uma vida normal. Sound of Metal não se refere apenas e exclusivamente à surdez, neste sentido, a mensagem de aceitação é possível para qualquer um, independentemente se tem ou não deficiência.

            Sound of Metal é um filme sobre aceitação e que nos faz valorizar a audição. Esta é algo que damos por garantida e que de um momento para o outro podemos perder sem que a tenhamos aproveitado, pois sons normais como gotas de chuva podem e devem ser valorizados. Nada disto seria possível sem a equipa de som do filme constituída por Nicolas Becker, que é também o compositor, e por Yanna Soenjens.

 

            “Como sabes, aqui toda a gente partilha da ideia de que ser surdo não é uma deficiência. Nem é algo para reparar”

João Maravilha

           


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