A Silent Voice (2016)

 


Shouko Nishimiya é uma rapariga surda que se muda para uma nova escola e começa a sofrer bullying por parte de Shouya Ishida, o que a obriga a mudar-se novamente. Ishida começa também ele a ser posto de lado pelos colegas, levando-o a um sofrimento imenso, fazendo com que este se queira redimir mais tarde dos seus erros do passado.

 

Realizado por Naoko Yamada, A Silent Voice é mais um filme que comprova o talento e a excelência do cinema japonês. É verdade que os Studio Ghibli são a grande imagem e representantes da animação japonesa no cinema, mas também fora desse estúdio existe qualidade de sobra, como é o caso de Your Name, ou neste caso A Silent Voice.

 

Se cresci com os filmes de animação de Hollywood, é na juventude mais tardia que descubro o maravilhoso mundo da animação japonesa. Não se privam de tocar em pontos sensíveis e de chocar o público com a realidade, não sendo necessário criar fábulas ou metáforas para tornar tudo mais acessível. Também em relação ao tempo de filme é diferente, havendo filmes de 120 minutos ou mais, ao contrário dos filmes de 90 minutos de animação de Hollywood.

 

A Silent Voice é um filme lindíssimo e com um tema sensível com que muitos se podem identificar, o bullying. Com uma animação característica de anime e um uso de luzes diferente conseguem marcar o seu estilo. Assim que comecei a assistir ao filme as auras de luz e os grandes usos de janelas e espaços abertos para que se dê a sensação de claridade chamou-me logo à atenção. Dá quase uma sensação de se conseguir ver os feixes ou os raios de sol a entrarem e chocarem contra as personagens, criando um efeito de claridade ou até angelical em cada uma delas.



Mas como muitos dos filmes de animação japonesa já nos habituaram, não é só na animação que se encontra a inovação ou a perfeição, tanto que ainda se continua a utilizar o 2D e a apresentar resultados de animação bela, mas também na mensagem que é transmitida e na forma como é apresentada. A Silent Voice é um excelente exemplo disso, ao conseguir colocar pelo menos dois temas sensíveis no filme, a surdez e o bullying. A forma como a história é iniciada logo de uma maneira forte e chocante com uma tentativa de suicídio sem que saibamos o que levou a tal, mas que de seguida nos leva para o passado e para o início da história das personagens. Aí somos apresentados aos dois protagonistas e apenas vemos a popularidade de Ishida e os problemas causados por este à Shouko, levando a que esta saia da escola. No entanto se este caso de bullying já é tratado com sensibilidade e respeito, as consequências para Ishida ainda são mais expostas, mostrando o outro lado e a falta de apoio que existe nestes casos, tanto para a vítima como para com o culpado. Foi Ishida quem começou a sofrer depois e quem se viu sozinho, como se de uma punição se tratasse. É também aqui que começamos a ver as cruzes nas caras das outras personagens, como sinal de não relacionamento nem de confiança, sem que o sentido da colocação dessas imagens tenha de ser explicado através do diálogo, dando sinais de respeito e inteligência para com o espetador que assiste.

 

Mas se Ishida é a imagem do bully que é deixado sozinho e que tenta refazer a sua vida com essa cruz nas costas, mesmo que tente redimir-se, Shouko Nishimiya é a imagem da fragilidade física que consegue ser superada pela força psicológica para conseguir sorrir perante aqueles que lhe fazem mal. É claro que essa força psicológica tem limites e que quando ultrapassados podem ter consequências gravíssimas, mas a força para ela sorrir e seguir a vida mesmo perante a crueldade das crianças e das dificuldades de ser uma jovem surda, são a imagem de uma bravura imensa que emociona sempre que aquele sorriso entra no plano.



O filme poderia muito bem ser dividido em dois, uma primeira parte que neste caso é o primeiro ato em que vemos as personagens em criança, e uma segunda em que já adolescentes aprendem a perdoar e cria-se uma história de amor e amizade. O romance da Shouko e do Ishida é um romance sempre representado pela ponte, e que começa com os dois apenas, mas que ao longo do filme se vai enchendo com mais amigos, mostrando a evolução e a redenção de Ishida. É um romance juvenil bonito que não necessita de grandes momentos de amor escarrapachados no ecrã, mas que ao mesmo tempo consegue transmitir os sentimentos das personagens, criando a ligação entre elas de uma forma simples e eficaz.



Se o romance é simples e sem grandes momentos de amor físico, é por uma razão, ou vá mais que uma. Primeiro pois não é muito o jeito de criar as coisas na animação japonesa, em filmes como o A Silent Voice, e em seguida porque apesar de existir esse romance, a mensagem mais importante fica sempre na ideia que é a da amizade. Somos obrigados a acompanhar Ishida no seu percurso de sofrimento que aos poucos vai terminando à medida que começa a ter novos amigos e a reconquistar os velhos. Vemos um Ishida a deixar cair as cruzes à medida que ganha confiança e que vai começando a relacionar-se mais, ganhando de novo o prazer da amizade. Mas como tudo, nem sempre é um mar de rosas e as desavenças do passado podem sempre tombar as correções do presente, mas mesmo aí o filme consegue dar a volta e mostrar o valor do perdão e a importância deste na amizade.



Mais que um filme sobre bullying, surdez ou suicídio, ficou-me sempre na ideia de que A Silent Voice é um filme sobre amizade e a importância que as pessoas têm na vida dos outros, sendo que tudo o resto complementa a ideia de que nada é mais importante que isso. Através da amizade supera-se os problemas e Nishimiya parece saber sempre disso, daí sempre sorrir e tentar arranjar novas amizades, mesmo quando sofria.

 

A Silent Voice é um filme a ver e rever ideal para qualquer idade e que com certeza trará lágrimas e sorrisos a quem o vê.

 

“Back then, if we could have have heard each other’s voices, everything would have been so much better.”

 

João Maravilha

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