Wolfwalkers (2020)

 


Robyn é filha de um caçador que é contratado para caçar a última matilha de lobos na Irlanda, e também ela possui o desejo de os capturar. No entanto, esta conhece uma rapariga que a faz mudar de ideias em relação aos lobos e passa a querer defendê-los contra quem lhes quer fazer mal.

 

            Realizado por Tomm Moore, que já havia sido responsável pela realização de A Canção do Mar (Song of the Sea) e The Secret of Kells, e pelo estreante em realização Ross Stewart, Wolfwalkers é mais um filme do estúdio irlandês Cartoon Saloon. A Ganha-Pão (The Breadwinner) (filme que já foi alvo de crítica aqui no blog) também é do mesmo estúdio de animação. Cartoon Saloon é um estúdio já habituado a ser nomeado para os Oscars, uma vez que das cinco longas metragens criadas até 2020, três delas estiveram nomeadas para melhor filme de animação, sendo que perderam sempre para um filme da Walt Disney Pictures. Acredito que Wolfwalkers vai ser nomeado para o galardão de melhor filme de animação nos Oscars de 2021, porém, a meu ver, com poucas possibilidades de ganhar contra o Soul, da Pixar. O filme conta com a participação de Sean Bean como Bill, Honor Kneafsey como Robyn e Eva Whittaker como Mebh.


"Os ombros e os capuchos das personagens são pontiagudos, dando uma imagem angular e de formato triangular."

           WolfWalkers é um filme de animação 2D e com os traços simples e já característicos do estúdio irlandês. A animação dá um toque simplista e sem o uso de detalhes de textura, quer seja através do seu 2D clássico e sem grande uso de profundidade, quer pelos seus contornos a preto nos desenhos. Os ombros e os capuchos das personagens são pontiagudos, dando uma imagem angular e de formato triangular. Mas o grande destaque da animação desta longa metragem é sem dúvida a forma como a paisagem e o fundo são utilizados. Os fundos dão uma ideia de simplicidade e de brincadeira com as noções de perspetiva, mostrando uma semelhança com pintura a pincel que contrasta com as personagens mais carregadas com as cores, e uma alteração das proporções, permitindo que o fundo fosse visto muitas vezes numa posição aérea, formando uma parede como fundo em que a cidade é vista de cima, contornando todas as noções de perceção. Esta forma de animação traz um sentido mais básico, mas ao mesmo tempo diferente, pois desconstrói o normal e cria uma forma diferente de animar e construir as paisagens. Durante as cenas que se passam junto das muralhas, tudo acontece num 1ºplano, deixando as personagens bem à vista e sempre com o 2D explicito e um fundo animado digitalmente como se fosse uma tela pintada à mão.


"Os fundos dão uma ideia de simplicidade e de brincadeira com as noções de plano (…)"


            As faces das personagens são bastante simples, não variando as cores e contrastes, nem havendo uma grande atenção aos detalhes, algo criado de propósito e já bastante comum no estúdio. O facto de as personagens não terem uma animação tão desenvolvida permite que a forma como os animadores desenvolveram as paisagens seja ainda mais valorizada, mostrando que o simples é também eficaz. Também existe um grande jogo de sombras nos momentos de confronto ou medo, mostrando através das sombras a superioridade da personagem num determinado confronto. Outros grandes momentos da animação foram a separação do ecrã em três, mostrando várias ações em simultâneo, como é o caso da ação na cozinha, em que a tela se vai dividindo, ou a sequência dentro do castelo com os guardas nas laterais. Wolfwalkers, para mim, destaca-se sobretudo pela sua mensagem e animação 2D, pois esta última é simples, mas ao mesmo tempo diferente da maior parte do que já se viu, criando uma forma de desenvolver os fundos e adaptar a pintura aos filmes.


"(…)existe um grande jogo de sombras nos momentos de confronto ou medo, mostrando através das sombras a superioridade da personagem num determinado confronto."


       Já em relação à mensagem, apesar de não ser nova continua a ser bela e a criar momentos importantes. A mensagem passa pela compreensão pelo que é diferente e o respeito pela natureza, algo já bastante referenciado nos filmes, porém, a maneira como esta é enviada traz um tom sensível e emocionante, tendo momentos de confronto, de emoção e até de aventura.

A história da personagem principal que é aventureira e que se coloca em perigos por não seguir os conselhos é bastante comum nas obras de ficção, e este filme não é exceção. Robyn tem o sonho de se tornar uma caçadora, assim como o pai, e apesar de este lhe aconselhar a não sair das muralhas, ela desobedece e sai das muralhas, acabando por encontrar Mebh. Também a relação entre as duas é bastante comum no cinema, sendo que são duas pessoas de realidades distintas, mas que, no entanto, são bastante parecidas e acabam por encontrar um objetivo comum. Não estou com isto a dizer que o desenvolvimento das personagens foi mal feito ou que é uma cópia de outros filmes, pois não foi esse o caso. As personagens estão bem desenvolvidas e os problemas que atravessam são bem elaborados para que a história e a mensagem sejam entregues de forma perfeita. Robyn e Mebh são duas personagens que fazem com que tudo o resto se ligue entre si, criando a ligação entre a natureza e a civilização que a quer destruir.


"(…) a separação do ecrã em três, mostrando várias ações em simultâneo (…)"


         Robyn representa a cidade, mas ao mesmo tempo quer aventurar-se a descobrir a natureza, mesmo que de início tenha o desejo de caçar os lobos e assim, de uma forma hipócrita, ir ela mesmo contra o que deseja conhecer. Já Mebh é o elo de ligação com a natureza, uma rapariga aventureira que apesar de saber os perigos de sair de casa não tem medo de enfrentar os citadinos, mesmo que isso, muitas vezes, crie uma visão de mais malvadez sobre os lobos. No entanto, a meu ver, é em Bill, o pai de Robyn, que se encontra o grande desenvolvimento de personagem. Este é um caçador que não tem medo dos lobos e tem como trabalho caçá-los, mesmo que nunca se veja na personagem um ódio por eles, para isso existem as personagens do Lord e dos restantes habitantes da cidade. Bill é um pai que se vê obrigado a criar a filha sozinho, que não o ouve e o vê muitas vezes como tirano, mesmo que este só queira o seu bem. Bill, ao tentar protegê-la, quase que acaba por a matar, e mesmo que pensemos que este vai entender a filha e mudar num certo momento, esse acontecimento é adiado e só no terceiro ato é que realmente o vemos a compreender e a ajudar. Mesmo em Bill, a questão de se sujeitar sempre a tudo o que o Lord lhe pede, até quando ele é duramente rebaixado e insultado, demonstra a dificuldade do dia a dia de alguém que tem de sustentar outra pessoa e que, para tal, aceita tudo, largando até os próprios ideais.


"Mesmo em Bill (…) demonstra a dificuldade do dia a dia de alguém que tem de sustentar outra pessoa e que, para tal, aceita tudo, largando até os próprios ideais."


           A trilha sonora do filme não é das mais emocionantes e vibrantes, mas consegue cumprir o papel que lhe é pedido nos momentos, nunca sendo necessários grandes tons para criar emoção. A canção criada para o filme, “Running With the Wolves”, de Aurora Aksnes, é uma música bastante cativante e que se enquadra lindamente na sequência em que a Robyn aprende a ser um lobo. Durante esta sequência, vemos excelentes transições nas imagens e um grande contraste das cores dos cheiros sentidos pelos lobos e as cores presentes no fundo.


"Durante esta sequência, vemos excelentes transições nas imagens e um grande contraste das cores dos cheiros sentidos pelos lobos e as cores presentes no fundo."


         Wolfwalkers é um filme de animação cheio de emoção e com uma mensagem de aceitação e de compreensão muito forte. É cheio de movimentos e com uma animação diferente, capaz de surpreender. Mas ao mesmo tempo que cria a diferença através da animação, esta também pode não agradar a todos, pois o estilo mais simples do 2D pode fazer com que muitos espectadores não vejam o filme como interessante. Wolfwalkers tem sequências lindíssimas e uma mensagem muito intensa do homem contra a natureza. É um filme que estará certamente nomeado para os grandes prémios de animação, mas que terá pela frente um grande adversário chamado Soul.

“Porque é que queres ser humana? Ser um lobo é muito melhor.”

João Maravilha

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