Klaus (2019)

 


Jesper é filho do diretor da Academia Postal, uma escola que forma carteiros. O pai ao ver que Jesper é um estudante preguiçoso e que acha que tem direito a tudo, manda-o para Smeerensburg, uma ilha onde todos os seus habitantes se dividem em dois clãs que vivem em conflito constante e que não enviam cartas. Jesper tem a missão de enviar 6000 cartas, e só depois de concluir esse objetivo é que poderá voltar para a sua vida boémia e preguiçosa. No entanto, a missão que Jesper encontra é muito maior e com o passar do tempo altera-se, sendo confrontado com sentimentos de compaixão e amor que nunca tinha experienciado.

 

Realizado por Sergio Pablos, fundador da The SPA Studios, Klaus é um filme de animação lançado na Netflix, em 2019, tendo sido imediatamente alvo de várias críticas positivas e apontado à nomeação para o Oscar de Melhor Filme de Animação. Klaus, a meu ver, foi um dos maiores injustiçados dos Oscars de 2020, perdendo para o também excelente Toy Story 4. Klaus merecia muito mais, quer pela sua animação, quer pelo seu roteiro original. Toy Story 4 é um excelente filme de animação, com um uso do 3D espetacular, dando um foco aos pormenores e criando uma história de encher o coração. No entanto, Klaus também altera a animação, fazendo uso de um 2D que nos enche o ecrã e sobrepõe as personagens aos diferentes fundos e, apesar de ser um filme de Natal, não se agarra a essa temática de uma maneira tão central, permitindo que possa ser visto em qualquer altura do ano e não se baseie nos grandes contos, criando uma nova história afastada dos clássicos.


"A animação de Klaus tem um brilho particular, sabendo conjugar as cores, as sombras e os diferentes brilhos nas faces das personagens"

A animação de Klaus tem um brilho particular, sabendo conjugar as cores, as sombras e os diferentes brilhos nas faces das personagens, criando texturas diferentes e uma luminosidade que traz as personagens para um primeiro plano, dando uso ao 2D numa altura em que este tem sido menos utilizado em detrimento do 3D. O branco da neve preenche grande parte da tela e as paisagens são de encher o olho, algo que cada vez mais tem vindo a ser valorizado nas animações, dando uma realização mais semelhante aos live action. As cores vão-se alterando conforme o desenrolar da história ou das personagens. Se quando Jesper (interpretado por Jason Schwartzman) chega a Smeerensburg a cidade é toda ela cinzenta e negra, representando os seus habitantes e os seus sentimentos, quando Jesper vai mudando a ilha e o relacionamento de quem lá mora, as cores tornam-se mais vivas e isso é demonstrado através de momentos como as crianças a pintarem as cercas ou o carpinteiro a construir o parque infantil cheio de cores. Também as diferentes personagens trazem cores consoante a sua relação com a ilha, como é o caso de Klaus (J.K. Simmons) que está constantemente rodeado de neve e enquanto Jesper não o conhece realmente, os seus tons são mais escuros, dando um simbolismo de desconhecido. Já Márgu (Neda Margrethe Labba), sendo uma menina que é Samí (Nativos da Lapónia) e que vem de fora da ilha, veste-se cheia de cores e contrasta com os tons escuros dos habitantes locais.


"Já Márgu (…) veste-se cheia de cores e contrasta com os tons escuros dos habitantes locais."

Jesper, ao ser uma personagem mais nervosa, apresenta discursos mais rápidos, e Klaus, ao ser uma personagem mais misteriosa no início, é de falas curtas e simples. A animação apresenta sequências muito complexas, como é o caso da perseguição dos trenós, onde existem movimentos rápidos e trocas de imagem constantes, criando uma semelhança com filmes como o Indiana Jones ou Mad Max.

Alfonso G. Aguilar é o compositor da trilha sonora do filme e esta está perfeita para todos os momentos, sem serem necessárias vozes para mostrar os sentimentos presentes ou para fazer com que o filme avance sem diálogos. A trilha sonora é capaz de se alterar conforme os diferentes momentos, quer sejam estes mais acelerados ou mais calmos, onde a trilha se deve envolver para criar o ambiente necessário para a história.


"A animação apresenta sequências muito complexas, como é o caso da perseguição dos trenós (…)"

O filme é repleto de momentos de humor, capazes de fazer rir qualquer espetador de qualquer idade. Jesper, ao contrastar com Klaus, torna a relação destes muito cómica, com momentos embaraçosos, assim como a professora Alva (Rashida Jones) que, ao ser uma pessoa que desistiu dos sonhos, se tornou mais fria e ameaçadora. Klaus tem vários momentos de humor, alguns deles mais infantis, com piadas mais fáceis, e alguns deles mais adultos, com comparações entre o tráfico de cartas e o tráfico de drogas, ou o momento em que Klaus dá uma corda a Jesper e este associa que é uma corda para se matar.

Como na grande maioria dos grandes filmes, é no desenvolvimento das personagens e na construção destas que está o grande feito, e em Klaus acontece o mesmo, sendo criada uma história em que a alteração do protagonista cria repercussões na maioria das outras personagens. Jesper é-nos apresentado como o filho de um magnata e que não tem objetivos nem necessita de fazer nada na vida, mas que se vê com um objetivo difícil de alcançar e que é capaz de tudo para atingir o seu fim. É uma pessoa fria e sem sentimentos, contrastando com os protagonistas de outros filmes que desde o início são perfeitos e bondosos. No entanto, ao começar a praticar o bem, Jesper começa a compreender a vida e a compaixão, não sendo logo fácil a transição e enfrentando o dilema de ficar e continuar a ser feliz e a fazer os outros felizes, ou ir embora e ter tudo o que quer, criando assim confusão com os seus novos amigos. Jesper apenas se começa a preocupar com os outros quando percebe realmente o que as suas atitudes alteraram na ilha, deixando de ver, assim, como objetivo principal as 6000 cartas.


"Jesper é-nos apresentado como o filho de um magnata e que não tem objetivos nem necessita de fazer nada na vida (…)"

Também Klaus nos é introduzido como um homem alto, forte e misterioso, visto como perigoso, mas que acaba por ser o contrário, um homem simples, com bastante amor para dar e que sofreu um desgosto e tem de reaprender a amar.

Se Jesper e Klaus são o grande desenvolvimento, estas ações pelas quais os dois passam e os transformam também alteram os moradores de Smeerensburg. Estes moradores vivem numa rivalidade há séculos, em que as crianças são proibidas de brincar e apenas vivem para superar o outro clã. Nem à escola vão, o que obriga também a professora a mudar de vida e de sonhos, deixando de ter entusiasmo por ensinar. No entanto, um simples ato como a dádiva de um brinquedo em troca de uma carta altera as crianças e assim criando um efeito de bola de neve que leva a que toda a ilha se altere. As crianças passam a querer ir à escola para aprender a escrever as cartas, o que leva a professora a voltar a ter entusiamo por ensinar e a despender do seu dinheiro para os educar. Os pais, ao ver os seus filhos felizes, percebem que as rivalidades não fazem sentido e que apesar das brigas são todos iguais e fazem tudo igual. E Jesper, que ao ser o inimigo comum dos dois líderes dos clãs, consegue uni-los.


"Estes moradores vivem numa rivalidade há séculos, em que as crianças são proibidas de brincar"

Klaus é uma história de Natal diferente, onde aproveita os contos clássicos de Natal e os desconstrói. É criada uma história alternativa ao Pai Natal, com a lista dos bons e dos malcomportados, a entrega das prendas, obrigando a que as crianças se abstivessem das rivalidades e das lutas, alterando a história com uma ação simples. Até a questão das renas voadoras é apresentada de uma maneira cómica.

O filme não termina da maneira mais esperada, o que lhe dá um toque de beleza e de surpresa. Possui um final belíssimo e emocionante, com um tom mais divino e místico que enche o coração do espetador.

Klaus é um filme para toda a família que apesar de ser um filme de Natal, se abstém dos clichés e das tradições clássicas. É um filme capaz de arrancar um sorriso ao espetador mais triste e transmitir uma mensagem de compaixão. Com uma animação 2D mais elaborada e modernizada, Klaus é um filme para se ver várias vezes e que nunca vai desapontar, quer seja com o seu humor, quer seja com a sua temática e sentimentalidade.

“Um ato sincero e generoso desencadeia sempre outro.”

João Maravilha

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